Ecos do silêncio

Críticas rasas à cobertura das manifestações contra Bolsonaro pelos jornais impressos da mídia corporativa evidenciam a necessidade de reflexões mais profundas sobre o jornalismo brasileiro

Por: Guilherme Calafate

A cobertura das manifestações populares do último sábado (29) contra o governo Bolsonaro realizada pelas edições impressas dos jornais O Globo, Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo gerou polêmica e provocou debates sobre a atual situação do jornalismo no Brasil. Jornalistas, políticos e opositores ao governo acusaram esses veículos de ofuscarem as manifestações. Porém, a maioria dos críticos abordou a “não cobertura” sem ponderar sobre a relevância atual dos jornais impressos, a cobertura online realizada pelos próprios portais destes grupos de comunicação e as dificuldades técnicas das edições de domingo.

As críticas foram motivadas pelas capas de O Globo e do Estadão destacarem, respectivamente, o “reaquecimento do PIB” e a “reinvenção das cidades turísticas”, cedendo apenas um pequeno espaço abaixo da manchete para uma chamada sobre os protestos. Mesmo que a Folha tenha dado maior ênfase às manifestações em sua capa – com a manchete “Milhares saem às ruas contra Bolsonaro pelo país”, seguida por uma imagem de manifestantes ocupando parte da Avenida Paulista, em São Paulo –, o jornal também não escapou de críticas por apresentar uma reportagem bem menos ácida ao governo atual do que as publicadas durante as manifestações contra governos do Partido dos Trabalhadores (PT).

Como diversos críticos constataram, é evidente que existem motivações e interesses políticos e econômicos na escolha de não estampar manchetes sobre as manifestações contra Bolsonaro – como era habitual em protestos contra a ex-presidente Dilma Rousseff. Contudo, existem outras questões que precisam ser levadas em consideração para realizar uma análise mais nuançada e sensata do episódio, estimar suas consequências reais e projetar soluções eficientes, como ressaltou o jornalista Moisés Mendes. Em artigo publicado em seu blog, Mendes aponta uma “mistura” de questões técnicas, decisões editoriais e escolhas políticas dos veículos, além de uma supervalorização de jornais impressos tradicionais por parte dos críticos.

O jornalista ressalta que, apesar de a questão técnica ser uma desculpa recorrente da mídia corporativa, as edições de domingo de jornais impressos são concluídas no sábado pela manhã, e não à noite, como acontece durante a semana. O que significa que a maioria das redações não poderia, a princípio, fazer uma cobertura adequada, uma vez que os atos começaram no meio da tarde de sábado na maioria das cidades.

Mesmo que as versões impressas de O Globo e do Estadão não tenham cedido espaço para a cobertura dos protestos nem mesmo na segunda-feira (31), os seus portais online apresentaram uma edição, no mínimo, razoável, ao destacar manchetes e fotos dos protestos em suas páginas iniciais. Enquanto os portais de O Globo e do Estadão mantiveram o assunto entre as chamadas principais de suas páginas iniciais de sábado à tarde até domingo à noite, o site da Folha o manteve como destaque até a noite de segunda-feira, apresentando a cobertura mais extensa entre os veículos da mídia corporativa.

Embora os sites noticiosos do grupo Globo tenham deixado as manifestações em “segundo plano” na segunda-feira, a primeira edição do Jornal Nacional da semana confrontou explicitamente as declarações de Jair Bolsonaro de que as manifestações foram “pequenas”. Enquanto eram exibidas imagens de ruas do Rio de Janeiro, de Brasília e de São Paulo lotadas de manifestantes, o apresentador William Bonner rebateu Bolsonaro e afirmou que os protestos “reuniram milhares de pessoas em todos os 26 estados do país e no Distrito Federal”.

A partir da consideração desses aspectos, excluídos em boa parte das críticas produzidas sobre a atuação dos jornais impressos, a principal questão proposta por Moisés Mendes em seu artigo se torna ainda mais contundente: “Por que então a esquerda continua cobrando que um modelo vencido, como negócio e como veículo de comunicação, ofereça destaque a notícias que considera jornalisticamente importantes?” Para Mendes, seria muito mais efetivo se ela se libertasse do “fetiche do jornalão impresso”, desistindo de implorar atenção à imprensa tradicional, e direcionasse suas demandas, cobranças e apoio para veículos alternativos progressistas e independentes em relação ao poder econômico.

Em artigo publicado no site Jornalistas Livres, o jornalista Walter Falceta também propõe um boicote à mídia corporativa e um maior incentivo à mídia alternativa como soluções para combater a desinformação propagada pelos “jornalões”. O jornalista projeta que a recusa de lideranças progressistas em escrever colunas e conceder entrevistas para esses veículos e um cancelamento em massa de assinaturas, leituras e mesuras por parte da população podem contribuir para a qualidade do jornalismo brasileiro em longo prazo. Desde que, ao mesmo tempo, seja implementada uma “descentralização” na produção informativa, baseada nas possibilidades de trocas de informação instantâneas oferecidas pelas plataformas digitais, no trabalho de jornalistas independentes e na capacitação de jovens comunicadores por outras instituições além das universidades, como associações de bairro, escolas e centros de convivência.  

É evidente que os jornais impressos perderam relevância ao longo das últimas décadas, se tornando fonte de informação para apenas uma parcela bem restrita da sociedade, mas observar criticamente a mídia corporativa é essencial, uma vez que parte considerável da população brasileira ainda se informa por meio dela, seja pela TV ou pelos seus portais online. Porém, se o intuito é combater seu monopólio sobre o jornalismo e buscar uma produção informativa mais plural e democrática, as críticas não bastam. Além de fortalecer veículos alternativos e progressistas que surgiram e ainda surgem aos montes graças a revolução digital, também é fundamental acompanhar e dialogar constantemente com o público, sem julgá-lo como apenas uma “massa de manobra” que se informa por meio de capas de jornais e não possui capacidade alguma de criticar a informação que recebe. Só assim será possível compreender como e por que meios realmente está acontecendo o consumo jornalístico e propor mudanças efetivas para propiciar um mercado mais competitivo e um jornalismo descentralizado capaz de representar interesses de outras classes sociais além da elite.

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