1964, 60 anos depois

Evento promovido pela ABI e realizado na FCS/Uerj reuniu jornalistas e estudiosos que lutam para que a ditadura não seja esquecida

Por Matheus Calvo

Relembrar para jamais esquecer. Com esse objetivo, foi realizada no último dia 4 de abril, na Faculdade de Comunicação Social da Universidade de Rio de Janeiro (FCS/Uerj), uma palestra promovida pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) sobre o golpe civil-militar de 1964. O evento fez parte da “2ª Semana de Jornalismo da ABI”, que debateu os 60 anos do golpe e suas consequências, com histórias e relatos de pessoas que viveram e pesquisam a ditadura. De âmbito nacional, o encontro ocorreu, além da Uerj, em outras quatro universidades públicas nas cidades de Brasília, Juiz de Fora, Natal e São Paulo, entre os dias 1 e 5 de abril.

A ABI é uma das principais associações de jornalismo do Brasil, tendo completado no dia 7 de abril 116 anos de existência. Criada com o objetivo de lutar pela classe jornalística, a associação é marcada pela defesa  da liberdade de imprensa e resistência contra a ditadura. Esta é a segunda vez que o evento conta com apoio da Faculdade de Comunicação Social (FCS) da Uerj. A “1ª Semana de Jornalismo, realizado em março de 2023 na sede da associação, no Centro do Rio, também foi apoiada pela FCS.

Segundo a ABI, as palestras têm como objetivo “…revisitar o marco inicial de um período de 21 anos de ditadura no Brasil, a II Semana Nacional de Jornalismo ABI quer levar aos jovens o testemunho pessoal, o relato profissional e o resultado de estudos científicos que se debruçam sobre um momento político que deve ser lembrado para que nunca mais se repita.”

Desta vez na Uerj, o encontro ocorreu nas dependências do Campus Maracanã, no auditório 111, no 11º andar do bloco F. Mediada por Patrícia Miranda, diretora da FCS, a palestra contou com os convidados Luiz Tenório, Chico Otávio, Andréa Queiroz, Rejane Nogueira e Gulnar Azevedo, reitora da Uerj, personalidades que sofreram direta ou indiretamente com a ditadura militar.

O primeiro a falar foi o médico e militante Luiz Tenório, preso e torturado pela ditadura. Tenório foi aluno da Uerj, tendo ingressado na universidade em 1963, às vésperas do golpe. Em sua fala, ele relata como foi o dia do golpe e sua vida dali para frente, como se organizou para se opor aos militares e fez uma crítica aos antigos gestores da Uerj, que se aliaram ou baixaram a cabeça para os golpistas. Tenório disse ter ficado abismado ao ver a zona sul carioca comemorando o golpe. Dissidente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), o qual considerava autoritário e centralizado, o médico acabou apoiando a luta armada. Foi preso em sua clínica, ficou meses encarcerado e, no final, foi acusado de terrorismo.

Uma das figuras mais importantes da imprensa brasileira, o jornalista Chico Otávio, vencedor de seis Prêmio Esso e um dos fundadores da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), contou sobre sua vivência em meio à ditadura e defendeu uma democracia forte. Ele lembrou da importância da memória de ícones da luta contra a ditadura, demonstrou preocupação com a falta de mecanismos institucionais para o fortalecimento e defesa da democracia e com o fim da anistia para criminosos da ditadura, citando o torturador e estuprador da casa da morte, o Cabo Camarão. O jornalista descreveu alguns dos passos para a realização da reportagem sobre a bomba do Riocentro, uma de suas matérias mais populares. Por fim, ele fez um pedido de mobilização social para prender criminosos da ditadura.

A terceira palestrante foi a historiadora Andréa Queiroz, pesquisadora da UFRJ com foco em ditaduras brasileiras, especialmente a de 1964, que narrou diversos casos ocorridos durante os chamados “anos de chumbo”. Andréa falou sobre o AI-5 dos estudantes, a Lei 477, que tirava direitos dos alunos acusados de subversão, chegando a proibi-los de estudar. Em seu trabalho, ela busca as memórias de instituições de educação, pretendendo entender os atores políticos da época. Por fim, a pesquisadora apresentou o site da UFRJ voltado à memória de diferentes épocas, incluindo a ditadura “memoria.sibi.ufrj.br”.

Filha de um ex-preso político e ex-aluno da Uerj que foi jubilado, Rejane Nogueira, jornalista, diretora de arte e pesquisadora, utilizou a história de sua família como ponto de partida para a defesa de pretas e pretos que tiveram suas narrativas de luta contra a ditadura apagadas pelo racismo, ainda presente na sociedade brasileira. Rejane, que investiga as mazelas vividas pelos militantes negros, vítimas tanto da ditadura quanto do racismo, se emocionou ao lembrar de um dos perseguidores de seu pai, que morreu “tranquilo”, aos 93 anos, e doou dinheiro para campanhas da extrema-direita até o fim de sua vida, o que ela considerou injusto. 

No encerramento, a Reitora da Uerj, Gulnar Azevedo, falou brevemente sobre sua vivência sob a repressão e cobrou rigidez no combate aos nomes da ditadura ainda vivos. Estudante de medicina da Uerj, Gulnar foi uma das responsáveis por reabrir o Centro Acadêmico de sua faculdade no final dos anos 70, quando a luta pelo fim da ditadura se intensificou. Ela deixou claro que o período foi extremamente militar, violento e verdadeiramente terrorista. A reitora cobrou mudanças institucionais na Uerj que reparem as agressões da ditadura militar à sua orientação democrática, como retirar o título de Doutor Honoris Causa concedido ao terceiro general ditador do período, Emílio Garrastazu Médici, além da revisão do nome do principal pavilhão do Campus Maracanã, Pavilhão João Lyra Filho, um apoiador do golpe e dos militares.

A 2ª Semana de Jornalismo da ABI foi marcada por falas que destacaram a dor de pessoas que sofreram e ainda sofrem por causa da violência desse período da história brasileira recente e a necessidade de valorização da memória. O LCJ esteve presente mais uma vez e fica aguardando a 3ª Semana, nos vemos em 2025.

Deixe um comentário